sexta-feira, 17 de março de 2023

A catedral de pedra da pesquisa científica: A arte da observação e da experimentação.

Boletim Informativo do Núcleo de Estudos Foucaultiano. Ano 11 – Nº 0009. Março/ 2023 – São Raimundo Nonato.

Papper. 

FARIAS, Gênesis Naum de. A catedral de pedra da pesquisa científica: A arte da observação e da experimentação. In:FARIAS, Gênesis Naum de; FARIAS, Enos André de. (Org,s.). O Teatro das Ideias Pedagógicas. – São Paulo: Scortecci, 2023. Livro no prelo.


O Astrônomo, 1668. © Johannes Vermeer. – Óleo sobre Tela. (51 x 45 cm).

Gênesis Naum de Farias.[1]



Quando se ouve o termo pesquisa científica, logo o leitor desavisado se reporta às velhas ideias paradigmáticas. Os pesquisadores como os alquimistas, quase sempre, foram vistos como pessoas movidas por algum interesse intelectual ou pelo misto da ganância, da religiosidade ou da ciência aplicada, que buscam transmutar contextos, transformar realidades e projetar soluções específicas para um mundo possível. Em geral, são indivíduos que contribuem para fomentar os saberes e modificar os acontecimentos. Nesse quesito, os alquimistas, assim como os pesquisadores sérios, deixaram registrado nos anais do tempo a base científica que é utilizada hoje nas pesquisas com alimentos, plantas, tecnologias e outros derivados.

Há uma tendência fatídica em ver o cientista como um religioso egoísta e sem propósitos. Já os alquimistas, como eram mais religiosos do que cientistas, legaram para si a infame maldição dos seres heréticos, mas o que não pode cair no esquecimento é o fato que foram eles que descobriram os elementos químicos e, pouco se aproveitou do fato que possuíam alguma filosofia carreada pela história. Nesse contexto, surge a ideia de pessoas que tentaram achar o tão misterioso segredo para prolongar a vida. Mas expressões como pedra filosofal ou o próprio elixir da longa vida não são achados populares ou conhecimentos vagos. Antes, passaram por uma testagem factual e por avaliações contundentes que expressam sentenças valoradas pela comunidade científica.

A deformação aliada à desinformação histórica é que colocaram os alquimistas na condição imposta pela ficção, ou como modelo de cientistas que não se deve levar em consideração. No entanto, a alquimia como a ciência moderna tem bases muito sólidas: ambas nasceram com os sábios da Grécia, foram aprimoradas na China, se desenvolveram na Arábia e no Egito, onde desencadearam outras transformações pela arte do pensar. Tudo isto aconteceu muito antes do século XIII, quando se considera ter nascido o pensamento Ocidental.

O importante na produção científica é investigar, compreender e retirar a verdade do que há por trás de todos esses achados arqueológicos. A ciência se desenvolveu nesse ínterim e, com ela se interpretou os símbolos, se explicou as expressões, se revelou as ilustrações, e outras infindáveis notas historiográficas foram sendo validadas por conta das informações deixadas como registro pelo homem daquilo que haviam descoberto no passado mais que remoto. A alquimia como arte nasce nesse universo e, com ela, a ciência formal.

A pesquisa científica é o modo de se trabalhar com resultados pontuais e, sob essa premissa nasce a verificação que retifica a aprendizagem, fazendo desse objeto uma abordagem que em processo vai tecendo os liames para o desenvolvimento humano. O momento da aferição no aproveitamento científico não se fecha nele mesmo, mas se amplia para ser observado dentro de contextos específicos. Não é diferente das descobertas feitas pelos alquimistas que misturavam ingredientes e tentaram revelar Deus por meio de práticas simbólicas que expressavam a identidade química da alteridade.

Atentando-se ao período medieval, sabe-se que tanto a alquimia quanto a ciência moderna nasceram praticamente do enlevo de homens que se detiveram nos ensinamentos contidos nos textos árabes, que por sua vez tem origem no mundo helenístico e em Caldeia. Muito se tem notado o simbolismo alquímico em catedrais, palácios e casas senhoriais mostrando certa adesão a esse passado glorioso e hermético, cheio de descobertas e filosofias.

É constante observar a presença dos símbolos alquímicos nas cozinhas e nos preparos de alimentos das casas coloniais, bem como o ícone do sol, da lua e dos elementos do mercúrio nas antigas sinagogas góticas. Na verdade, a cultura Ocidental Cristã está repleta dessa simbologia. Isso remete a ideia de que a verdadeira alquimia científica na qual falava os monges medievais não era de forma alguma somente um fator externo, era algo que se projetava do interior da mentalidade da época. Ou seja, dentro do homem que se queria moderno. O alquimista era um cientista que se modificava por dentro para produzir a explicação da realidade a ser constantemente modificada.

Essa transmutação interna gerou a mentalidade moderna. Ou seja, transmutar é fazer uma coisa virar outra. Isso aconteceu com o homem no medievo e aconteceu com o homem na modernidade. Esse fenômeno acontece abundantemente na natureza e se perdura nas plantas que geram frutos, nas seivas que geram fragrâncias, no interior do organismo humano que faz qualquer alimento virar sangue, células, tecidos, na terra que decompõe tudo para gerar novas formas de vida e, tantas outras coisas que se modificam em função de fatores geológicos. A causa disso está nos elementos químicos que se agrupam fazendo novas transformações e desfazendo outras tantas.

A transmutação feita pela natureza foi desde sempre o objeto da ciência. Graças a esses estudos, feitos no passado, é que se chegou à concepção de modelagem. Os alquimistas chamam essas transformações de transmutação metálica. E como se chegou a tais inventos? Observando os fenômenos da natureza! A natureza cria tudo. Ela carrega no seu bojo o ouro e a prata para adornar os templos, os materiais derivados das rochas e toda sorte de metais para a construção dos grandes palácios, o mercúrio, o sódio, sais e outras substâncias para incrementar o sabor dos alimentos.

A pesquisa acadêmica nesse sentido, conclui uma síntese universal ao afirmar, de forma factual, que a transmutação metálica é algo que se dá por dentro e pode se ater a outras descobertas. Por isso se faz necessário entender que grande parte dos elementos químicos existentes na natureza, também existem no corpo humano em nível atômico.

Esses elementos se distribuem por infindas dimensões. Na natureza, por exemplo, para se organizar a música, as cores e os dias da semana é importante aplicar conhecimentos específicos sobre essas dimensões. Elas possuem sete coordenadas, por isso existem sete dimensões na natureza, porque o sete é o número que organiza tudo.

Aceitando essa realidade mística, conclui-se que o corpo humano também se estende em cada uma dessas dimensões. Neste caso, o trabalho da transmutação de energia se processa em todas essas etapas. Porém há transformações mecânicas que se refletem nas transformações conscientes.

No passado, os alquimistas propuseram, conscientemente, transmutar uma quantidade grande de energia e qualificá-la a ponto de permitir que se realizasse uma mudança radical, que ia do corpo físico ao corpo sutil do ser humano, transformando-o radicalmente. É uma verdadeira ressignificação interna e, por isso, chamaram-na de Magna Opus ou a Grande Obra.

Por essa razão, uma das frases que mais referencializa os alquimistas é aquela que lembra a importância de “Transformar o chumbo da personalidade no ouro do espírito”. Essa frase é a que mais representa a ciência feita por esses eremitas em busca do tempo perdido. Mas de onde pretendiam tirar essa energia de boa qualidade e suficientemente forte para explicar a regência do ser pelo próprio ser? Ao chegarem a tais conclusões, os alquimistas voltaram seus olhos de pesquisadores para a energia social. Isso é facilmente entendível, já que na semente da desestrutura social está o potencial energético para fazer uma motivação gerar vida ou produzir uma revolução.

É inquestionável a energia que a semente da desestrutura social possui. É só analisar a base social daqueles que não possuem condições de se alimentar regularmente. Falta-lhe tudo! Falta arroz na mesa, feijão no prato, brotos, milho, soja e tantas outras especiarias que não atendem aqueles que passam fome pelos rincões do vasto mundo dos homens nus.

No homem, essa semente, logicamente, é o germe do sonhar, é o sêmen que ativa a libido atômica da demanda, ao querer participar das transformações do mundo possível. Mas como fazer para liberar a energia contida na centelha do humano demasiado desumano?

A ideia contemporânea do uso da fissão nuclear para ameaçar a vida no planeta não é uma invenção nova. Os alquimistas do passado como aqueles que fazem pesquisa aplicada no presente já propunham essas ideias desde os tempos do astrônomo Galileu Galilei, só que em nível celular. A base da fissão nuclear é partir um átomo ao meio e, com isso, liberar uma quantidade estrondosa de energia.[2]

Se isso acontece com um átomo, acontece com a semente do humano demasiado desumano. Os alquimistas perceberam a necessidade de liberar essa estrondosa energia dentro do corpo, na alma das pessoas, no veio emocional que corre dentro de cada um, ao buscar para si e para a coletividade um saber-fazer que de fato modifique a realidade indesejada. Ou seja, para dentro e para cima. Mas como isso poderia deslocar o ser humano?

Em muitos desenhos alquímicos se viu o homem em permanente mutação. É essa mutável concepção que ferve a água do caldeirão dos bruxos. Isso remete o sujeito a uma alegoria direta ao ato de questionar-se. A função do questionamento numa pesquisa faz os corpos elevarem a temperatura. Então, por meio do questionamento de si, é possível liberar a energia contida no sêmen, provocando uma experiência de aprendizagem que passa a ter força necessária para realizar a Grande Obra. Nisso, o pesquisador em formação é capaz de escrever seus próprios desenhos de mudança, quando acordar da letargia a qual estão submetidos e começarem a enumerar seus feitos nesse estado de coisas chamado planeta Terra, cheio de infindas imperfeições.

Os símbolos alquímicos são artefatos primorosos para se entender todo esse processo. O enxofre é o fogo necessário para fazer chumbo virar ouro e, o sol é o elemento transformador das leituras mais conectadas com a realidade; mercúrio, prata e lua são os elementos energéticos que farão os novos cientistas ativarem suas moléculas pelo canal medular e, a ereção disso tudo será transformar a serpente em conhecimento. O Caduceu de mercúrio é o símbolo do poder de transformar o objeto impuro em acontecimentos mais puros. Por isso, estudar e compreender o papel da ciência no seu formato prático é perceber a direta relação que está reservada dentro de cada novo pesquisador ao criar seus projetos de pesquisas para querer achar o caminho que conduzirá a humanidade a uma libertação final.

Nesta nova empreitada para juntar e formar novos pesquisadores, a semente está lançada no vasto prado das incertezas, mas a conquista de cada um é a conquista da maioria. Por isso o livro O Teatro das Ideias Pedagógicas é um feito de som e movimento para fazer as humanas gentes da academia passar a pensar como fizeram na Idade Média os alquimistas, que plantaram sonhos em terrenos inférteis e foram punidos por tentarem acordar a humanidade do sono infernal da desordem espiritual...    

Gênesis Naum de Farias.

Professor Auxiliar II do Curso de Licenciatura Plena em Pedagogia na Universidade Estadual do Piauí – UESPI/ Campus Ariston Dias Lima – São Raimundo Nonato, onde coordena o Núcleo de Estudos Foucaultiano.  

Quinta dos Inválidos, 03 de Setembro de 2022.

Imprensa Foucaultiana® 

Ω


[1] Professor Auxiliar II do Curso de Licenciatura Plena em Pedagogia na Universidade Estadual do Piauí – UESPI/ Campus Ariston Dias Lima - São Raimundo Nonato, onde coordena o Núcleo de Estudos Foucaultiano. Com formação em Pedagogia e Especialização em Gestão Escolar pela Faculdade Montenegro.

[2] A reação de fissão nuclear ocorre quando um núcleo atômico pesado e instável é bombardeado por nêutrons, produzindo dois núcleos menores, neutros e energia. A palavra fissão significa uma cisão, quebra, fragmentação ou divisão.


sábado, 16 de abril de 2022

Por que nunca fomos modernos?

Boletim Informativo do Núcleo de Estudos Foucaultiano. Ano 10 – Nº 0008. Abril/ 2022 – São Raimundo Nonato.


Resenha. 

LATOUR, Bruno. Jamais Fomos Modernos: Ensaio de antropologia simétrica. – São Paulo: Editora 34, 2019.


Vila do Sossego, 2018. © Gênesis Naum de Farias. 
− Óleo sobre Tela (0.50 x 0.60 cm).


Gênesis Naum de Farias.[1]

 

 

O descomedimento humano parece ser a resposta a tão profunda pergunta. O descomedimento é um conjunto de pulsões, morte e renascimentos que marcam a vida humana. Os processos civilizatórios nascem dessas descontinuidades e são produtos e produtores de barbáries porque estabelecem caminhos de regeneração. Aqui o homem se depara com o processo dos saberes, porque tanto o empirismo como a verificação e a imaginação vai dando os nortes para aquilo que ficou marcado pelo Humanismo no século XVI ao tentar racionalizar a esperança diante da forte ilusão provocada pelas incertezas.

Com a queda do Muro de Berlim em 1989, se acentuou uma marcha crescente pelo humanismo planetário. As contradições se acentuaram, e diante de tantas ambivalências, o mundo moderno foi contaminado pela complexidade da luta por novos mercados.[2] Para o pensador francês Edgar Morin essa questão abre espaço para o incessante caminho das renovações, ao tempo em que expõe um universo de muitas incompreensões.

Não se deve esperar uma solução rápida para a questão proposta, visto que o mundo moderno vive seus piores dias mergulhados nas vicissitudes históricas e na emergência frugal dos totalitarismos, onde as descrenças na política e suas contradições demarcam territórios de exclusão, repressão, controle e vigilância através de projetos pessoais de poder. Torna-se urgente retomar os pressupostos político-filosóficos da consciência planetária para barrar o avanço das “novas invasões bárbaras” como lenitivo de evocação para o humano já demasiadamente desumano.

Tal contexto infere uma resistência mais ousada frente ao fenômeno que segue os termos propostos pela “modernização”. Bruno Latour em Jamais Fomos Modernos tentou dar um significado preciso ao desmedido universo da polissemia criada para o homem moderno ao usar como referência a relação estabelecida no século XIX entre o homem e a natureza. Neste caso, o mundo dos humanos e o mundo dos não humanos.[3]

A noção de modernização passa pela ideia de emancipação. Nesse ínterim, fica evidente que a destinação que qualifica o emaranhado de conceitos que valoram os sujeitos, entre “humanos e não humanos”, toma outras direções e requer outros entendimentos, passando a redesenhar o modelo de sociedade vigente. Ou seja, a modernização que engloba o planeta, fornecendo-lhe uma identidade fixa, perde-se nos protocolos de sua própria ineficácia. O fim da emancipação humana segue seu destino único. Suprime o passado e corrói o presente. Latour vai afirmar “[...] nós não sabemos mais quem somos, nem, é claro, onde estamos, nós que pensávamos que éramos modernos...”.[4]

Imerso nesse caos conceitual, o homem tem diante de si a necessária opção de se metamorfosear utilizando as ferramentas que possui para avançar em meio ao degenerado estado das coisas. Esse embate entre o humano e o não humano é o sinal da regeneração da espécie para tornar a vida suportável, quando a modernização dos processos o questionar insistentemente. Não se trata mais de adaptação. A questão já se perdura pelo olhar da sobrevivência. A crise cultural aliada à crise moral, tendo como cenário o conjunto de portais que falam em nome da ciência, do progresso, da instrumentalização técnica e do mercado encerram-no na chamada hipermodernidade; ambiente este que se produz por meio de tantas contradições, tantas ambivalências, tantas exclusões e tantas violências em nome da uniformidade imposta pela globalização.

Nesse contexto, a educação das mentalidades parece, ainda, uma possibilidade a ser alcançada e os desafios não são poucos, tendo em vista à necessidade de se repensar a mesma para a convivência com os diversos estágios da produção do conhecimento. O exposto requer uma ação mais firme no que tange uma ampla reflexão que venha extrapolar o senso técnico empregado nas implicações da aprendizagem.

A proposta passa pela perspectiva de quem está diretamente ligado aos procedimentos educacionais numa sociedade capitalista, ao buscar respostas para os desafios do ensino em qualquer área como parte do processo que ampliará a importância dos estudos sobre o capital na formação da sociedade contemporânea pelas ações curriculares.

Na verdade, os saberes culturais seguem na direção proposta pelas ações do currículo crítico e necessitam de mais projeção ao serem trabalhados no ambiente escolar como conteúdos que tragam relevância ao trabalho docente, mesmo quando este esteja na esfera da profissionalização ou até na panorâmica de se repensar os paradigmas estruturantes para a comunidade na qual está atuando.

Ao resenhar sobre a ideia de modernização numa era planetária onde o diferente é imutável e a estética do presente se configura como um relato abreviado das projeções do novo modelo de mercantilização da cultura dominante se faz necessário discutir o que a “sociedade pós-industrial” pretende experienciar com o desenvolvimento científico desenvolvido pelo emergente entendimento que permeia o diálogo com a realidade ampliada no âmbito educacional.

Em Condição Pós-moderna: Uma Pesquisa sobre as Origens da Mudança Cultural, o autor prevê algumas reflexões e interpretações feitas às contradições complementares impostas pela indústria cultural quando moderniza o senso prático do consumo pelos incrementos do universo capitalista. Condição Pós-moderna escrito por David Harvey, é uma obra de pesquisa sobre as origens das mudanças culturais que ao longo dos anos tem se tornado referência fundamental para os estudos culturais na Pós-modernidade.

Na verdade, Harvey traça um paradoxo entre a ascensão das diversas formas de atuação cultural ampliando o horizonte conceitual do tempo-espaço na organização do capitalismo, implicando transformações sérias para o ciclo atual do sistema ao se modernizar para acumular outros “desejos” na passagem da Modernidade.

Harvey, que é geógrafo de formação, mas atenta-se a outras analises conjunturais vai bem além das regras impostas pela condução compreendida entre uma sociedade modernizante, que vive seus dias de transformação numa outra fase da revolução industrial, e os elos empreendidos pela cultura contemporânea. A experiência do tempo-espaço é questionada de forma abrangente e se amplia ao abarcar a condição humana envolta numa desumanidade de acumulação flexível. O geógrafo, ao teorizar sobre a transição proposta para fundamentar o fetichismo dos impulsos humanos, exemplifica como a coisificação dos sujeitos passa pela ascensão do modernismo como força cultural.

Trata-se de ampliar a aceitação do domínio do homem pelo homem e cercá-lo de proposições incisivas na sua relação com a mudança social e política. Dessa forma, trama novos aspectos para sua regulação pelo Estado, dando novos sentidos ao projeto de emancipação humana no mundo moderno.

As dimensões da crise estrutural do capital têm um sentido prático quando é percebida de forma muito aberta às diversas possibilidades oferecidas pelo sistema de riquezas que aproximam as diversas explicações para o uso contínuo do capital na comunidade global. Desde que as modalidades de desenvolvimento se estruturaram e o seu acúmulo passou a ser percebido como um elemento de possível esgotamento, o consumo passou a ser acentuado como a retração de uma intencionalidade propositiva ao processo, instituindo a especulação. A hipertrofia do sistema financeiro tende a mergulhar o Estado numa convergência de dificuldades desregulando a ideia central do fator primordial pensado pela esfera política do bem-estar da população.

Neste estado de coisas, tanto Bruno Latour quanto David Harvey vão fazer reflexões pontuais sobre a reorganização das crises do capital ao inferirem que o sistema ideológico deve processar novos adventos para caracterizar os novos ritmos tecnológicos. Ambos refletem sobre os sentidos do termo “moderno” e pensam-no como uma força producente que mensurará a precarização do sistema financeiro no cenário mundial, partindo dos pressupostos da desregulação e maturidade do capital pela sua expansão dentro ou fora dos países do Terceiro Mundo ao discutirem as riquezas e os diversos fluxos de modificação no pensamento real daquilo que poderia ter sido moderno pelos espaços de degradação e suas precarizações.

As respostas a essas reestruturações produtivas passaram a suprimir a dimensão humana convertendo mercado e capital pela evidência da mecanização repentina dos padrões de acumulação como termos determinados pela especulação digital que fomenta outras transformações no binômio taylorismo e fordismo, incorporando acordos e compromissos com a socialdemocracia como efeito de usufruto de discurso para o equilíbrio ou desequilíbrio nas diversas crises mundiais. Os riscos financeiros ampliam essas dimensões quando o equilíbrio relativo das forças políticas instaura movimentos humanos que engendram inconfiabilidades, ou progressivamente, um território de negatividade no universo político da economia especulativa, forçando as infindas diásporas.

Desse ciclo de debates entre Edgar Morin, Bruno Latour e David Harvey eclodem novas operacionalidades, que recolocam a posição do Estado como elemento “arbitral” que sanciona forças e pulsões para a confluência das inúmeras determinações que acentuarão o papel central de outras crises na relação da cultura humana com as práticas de autorregularão estatal pelos interesses ideológicos que imperam como uma nova ordem nos discursos políticos da sociedade, determinando bases morais, que beiram a imoralidade, para aproximar tecnologia com capacidade organizacional, e retomar uma possível recuperação no ciclo reprodutivo do sistema capitalista para um milênio cada vez mais distante da vontade política de inclusão nas fronteiras sociais do fluxo humano entre as nações do globo, negando os aspectos que afirmam a falácia da qualidade total da sobrevida humana como preocupação social incompatível a lógica da produção destrutiva. 

 

REFERÊNCIAS Bibliográficas. 

FARIAS, Gênesis Naum de. Núcleo de Estudos Foucaultiano: Interpretações de Pesquisa Educacional em Convivência com o Semiárido. – São Paulo: Scortecci, 2017.

______. “As Incertezas Humanas no Mundo Globalizado”. In: Núcleo de Estudos Foucaultiano: Interpretações de Pesquisa Educacional em Convivência com o Semiárido. – São Paulo: Scortecci, 2017, p. 31 – 34.

MORIN, Edgar; CIURANA, Emílio-Roger; MOTTA, Raúl Domingo. Educar na Era Planetária. – São Paulo: Cortez; Brasília: UNESCO, 2003.

MORIN, Edgar. Os Sete saberes Necessários à Educação do Futuro. – São Paulo: Cortez, 2009.

______. O Método: A natureza da natureza. (Vol. I). – Porto Alegre, RS: Editora Sulina, 2003.

LATOUR, Bruno. Investigações sobre os Modos de Existência: Uma antropologia dos Modernos. – Petrópolis, RJ: Vozes, 2019.

______. Jamais Fomos Modernos: Ensaio de antropologia simétrica. – São Paulo: Editora 34, 2019.

HARVEY, David. Modernização. In: Condição Pós-moderna: Uma Pesquisa sobre as Origens da Mudança Cultural. – São Paulo: Edições Loyola, 2008. Parte I, Cap. 5, p. 97 - 107.  



[1] Professor Auxiliar II do Curso de Licenciatura Plena em Pedagogia na Universidade Estadual do Piauí – UESPI/ Campus Ariston Dias Lima - São Raimundo Nonato, onde coordena o Núcleo de Estudos Foucaultiano.

[2] O filósofo francês Edgar Morin tem se dedicado desde 1972 a construir uma antropologia do complexo. A complexidade é uma palavra que leva qualquer pensador a um problema geral. Nela está contida a ideia do múltiplo e do uno como dialogias que buscam incessantemente por respostas. Essa pulsão do descomedimento humano aparece nos seis volumemos de O Método. 

[3] Ver Investigação sobre os Modos de Existência: Uma Antropologia dos Modernos. Bruno Latour, 2019, p. 20. 

[4] Ibidem, 2019, p. 22. 

segunda-feira, 31 de maio de 2021

A Contemporaneidade do Místico Plínio Marcos. .

Boletim Informativo do Núcleo de Estudos Foucaultiano. Ano 09 – Nº 0007. Maio/ 2021 – São Raimundo Nonato.



Paper.

FARIAS, Gênesis Naum de. A Contemporaneidade do Místico Plínio Marcos. – São Paulo: Scortecci, 2021. In: Pesquisa em Educação: Estratégias Pedagógicas e Articulações de Saberes / Gênesis Naum de Farias. – São Paulo: Scortecci, 2021. Obra no Prelo.


 Gênesis Naum de Farias.[1]



[1] Professor Auxiliar II do Curso de Licenciatura Plena em Pedagogia na Universidade Estadual do Piauí – UESPI/ Campus Ariston Dias Lima - São Raimundo Nonato, onde coordena o Núcleo de Estudos Foucaultiano. Com formação em Pedagogia e Especialização em Gestão Escolar pela Faculdade Montenegro.


Com a morte dos nossos principais atores shakespearianos, nosso te­atro ficou órfão dos seus maiores representantes, no que tange a busca pela excelência de uma arte que ao longo do tempo se caracterizou como sendo de vanguarda. O ator, afinal, é fruto de uma busca existencial pela consoli­dação de uma expressão artística que integra a cultura nos seus aspectos de fomento a novas linguagens, percepções e representações das várias facetas da realidade ao repensar o panorama do próprio cotidiano através da voz dada a textos literários e dramatúrgicos, que diretamente procuram libertar a matéria dos seus anseios socioculturais. Nesse contexto, é bom lembrar que no dia 19 de Novembro de 1999 o nosso teatro também perdia um escritor como poucos; que deixava sua ausência marcada por uma proposta mais crítica para o próprio teatro através da dramaturgia marginal, de persona­gens que refletiam seus dramas humanos, no gosto da linguagem universal, fazendo com que o público repensasse sua própria condição.

Plínio Marcos de Barros morreu aos 64 anos e deixou sob sua marca uma tra­jetória polêmica, recheada de impedimentos legais que evidenciaram sua obra dentro da moderna dramaturgia brasileira. A atualidade dos seus textos revela os dramas de uma sociedade que insiste em não se preocupar em solucionar os problemas sociais inerentes ao seu desfecho, mas emplacam considerações à textura dos palcos acabando por influenciar a questão cultu­ral do século em que viveu. Plínio Marcos foi muito mais do que uma mera coincidência; foi um movimento, foi um lamento, um texto, uma encenação, pois a atualidade nua e crua era retratada com bastante veemência. Porém, as intenções dos seus escritos não sugeriam uma solução para o ciclo vicioso proposto pela exploração mútua entre as personagens que criava, antes anunciava sua postura artística, antecipando nosso próprio fracasso político. As intenções de sua obra apontam sempre para o mesmo dilema: o combate existencial, sugerindo humanizar o espectador para um presente impessoal, imposto pelas estatísticas do estado das coisas.

Em sua linha teatral, o gosto pelo jogo do poder e a indiferença da sociedade brasileira, brigam lado a lado; era enfim, um dramaturgo magne­tizador que escrevia sobre o grotesco submundo brasileiro como um bruxo diante do intenso conflito verbal da crueldade no seu sentido mais amplo de exclusões. Podemos compará-lo ao cronista carioca João do Rio, que em vida se destinou a dar importância ao mundo dos esquecidos, confirman­do a lira dos que vivem nos cortiços, nos cabarés, em sagas de boemia, na berlinda da vida, no fim da noite, ressaltando a própria alma sonora dos homens como interventores do espaço e do tempo.

Este dramaturgo é herdeiro legítimo, de Nelson Rodrigues. Ambos traduziram muito de suas experiências pessoais para a cena do teatro, pro­movendo um envolvimento autêntico da opressão da sina dos seres huma­nos, veementes excluídos na zona urbana, nos guetos e, em pleno estado de sítio. Eram histórias de prostitutas, homossexuais, assassinos, presos, cafetões, vagabundos e proletários. Em tudo Plínio Marcos buscava es­treitar os laços culturais da densa sociedade urbana, propondo-lhe com sagacidade uma amostra do fracasso como causa para ressignificar a lida. Sua obra mais encenada e a que lhe deu fama, perseguição e o estigma de escritor maldito foi Dois Perdidos Numa Noite Suja, que chegou a ser com­parada ao texto Esperando Godot de Samuel Beckter, e nela dois persona­gens marginais – Paco e Tonho despem as máscaras da humanidade em seu estado de solidão, afetos, violências e crueldades. Ao longo da vida deixou obras que podem causar calafrios com sua desenvoltura política, porque foi vítima de prisões, censuras, boicotes e inúmeros maus tratos muito bem representados na sociedade dos excluídos. Navalha na Carne e Abajur Lilás abordam as vítimas da prostituição; Homens de Papel, Barrela e Quando as Máquinas Param descrevem os dramas das carceragens; Madame Blavastsky, Jesus Homem e Balbina de Iansã descrevem seu lado mais religioso e, Bala­da de um Palhaço e o Assassinato do Anão do Caralho Grande remontam sua origem circense.

A crônica maldita de Plínio Marcos se relaciona à crueza dos seus textos, apontando para a maturidade de um dramaturgo sempre indignado pela forte condição que a humanidade desencadeia seus sofisticados confli­tos psicológicos. No geral, a obra teatral de Plínio Marcos era recheada de palavrões que ressaltam o embrutecimento das mais recatadas classes, para as quais não tinha restrições. Afinal, Plínio escolheu sua própria subversão e foi aquém a todas as aberturas, quando equivocava a política de forma a deturpar o seu sentido real, deixando um bordão e um segredo para a dramaturgia brasileira: o grande segredo da dramaturgia é contar uma histó­ria de forma clara. Plinio não fazia concessões...

            Que os anos de ausência nos envolvam neste fascinante teatro da re­alidade, onde Plínio Marcos nunca esteve ausente nem será útil pensá-lo postumamente, porque sua literatura marginal se faz presente neste jogo de sombras, onde a contemporaneidade dialoga com o efêmero nos deixando uma nostalgia de que nossa postura de humildade revelará uma revolução que precisa começar no tempo presente, na ética do presente, na crônica do presente, que nos dizeres do próprio Plínio precisamos nos perguntar o que estamos fazendo na terra, para simplesmente não passarmos por ela como se estivéssemos acompanhando um enterro. Que a nossa saudade seja fruto de um adeus entoado em todos os eventos da classe teatral!

 

 

segunda-feira, 24 de maio de 2021

Educação, Sociedade e Contemporaneidade: Os novos rumos da Educação para o Século XXI.

  Boletim Informativo do Núcleo de Estudos Foucaultiano. Ano 9 – Nº 0006. Maio/ 2021 – São Raimundo Nonato.



Ensaio. 

FARIAS, Gênesis Num de; FARIAS, Enos André de. (Org.s). "Educação, Socidade e Contemporaneidade: Os novos rumos da Educação para o século XXI". In: Ensaios de Pesquisa em Educação. – Paulo Afonso/BA: Oxente, 2021. Prefácio do Livro.


Gênesis Naum de Farias.

Professor Auxiliar II do Curso de Licenciatura Plena em Pedagogia na Universidade Estadual do Piauí – UESPI/ Coordenador do Núcleo de Estudos Foucaultiano.

 

Enos André de Farias.

                              Mestre em Educação, Cultura e Territórios Semiáridos./ Doutorando em Educação pela Universidade do Estado da Bahia – UNEB/DCH III.



Muito se fala atualmente, sobre a nova sociedade que se estrutura para o século XXI e para os séculos seguintes. Aqui se assume o compromisso de discutir as questões que interessam às mudanças cruciais ocorridas nas últimas décadas no território da Educação Básica, que trazem consigo a necessidade de se repensar de forma profunda a estrutura das inúmeras instituições de ensino. Para isso, abordar-se-á imediatamente o que faz deste início de milênio um período tão singular: as simultâneas revoluções tecnológicas e o acesso massificado à informação. A seguir, serão analisados os efeitos desses fatores nas instituições de ensino.

Primeiro, torna-se importante pensar quem são os atores que compõe o cenário da Educação no Brasil, que papel exerce nos ditames dessa educação quando os interesses nacionais são colocados e confrontados com o cenário internacional. O Brasil possui um lugar de destaque como componente do BRIC (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), oscilando entre a 9º e a 6ª economia mundial, enfrentando o desafio de avançar internamente sob uma situação real que já dispõe de dados colocados por pesquisas, relacionadas ao ensino e pesquisa como atividades que reconhecem na qualidade a necessidade de avançar com relevância significativa.

É provável o reconhecimento em torno do esforço de avançar pela reestruturação, expansão e consolidação dos Institutos de Ensino, das Universidades, das políticas de formação continuada para a Educação Básica, repensando salário, carreira e promoção docente, porém as reações práticas a esses avanços na realidade sócio-política dos ambientes educacionais têm demonstrado objetivamente que Educação não é a prioridade significativa para o país. Que futuro se pretende como identidade de Nação, um país que trata com descaso e atitude descompromissada a situação da sua Educação? “[...] Seremos no futuro um país miserável com uma economia caminhando para despontar na lista dos primeiros mundos, porém donos de uma nação listada por semianalfabetos que afirma numericamente que avançou, criou possibilidades de aumento no número de vagas abertas para qualificar discentes através de números que não condizem com a realidade qualitativa de um forte compromisso com o futuro. Esse contexto resvala na questão de quem faz diretamente os procedimentos técnicos para se financiar e gerir as políticas públicas de Educação.”. (Manifesto dos Educadores da UNIVASF em prol de políticas de Educação de Qualidade, 2011).

No geral o que se percebe publicamente é a ingerência de economista supervalorizando e quantificando dados, políticos definindo as metas de projeção e os educadores sendo deixados de lado quando o assunto é pensar valores para melhorar o cotidiano nas escolas através de políticas de inclusão e qualificação. Lacan enfatiza: “[...] Só é ensino verdadeiro aquele que consegue despertar uma insistência naqueles que escutam, este desejo de saber que só pode surgir quando eles próprios tomarem a medida da ignorância como tal – naquilo em que ela é, como tal, fecunda – e isto também vale para aquele que ensina.”. (1985, p. 260). Portanto, falar de Educação é basicamente trabalhar com o conhecimento.

O homem moderno vive numa época em que a produção do conhecimento tornou-se crucial para o desenvolvimento econômico e social. Conceitos como sociedade do conhecimento, economia do conhecimento, gestão do conhecimento e sociedade aprendente são amplamente utilizados para caracterizar a sociedade do século XXI como uma sociedade relativa à informação. Contudo, a educação nacional está em crise porque não se preocupa com as prioridades que servem para elevar a autoestima e ampliar as aprendizagens a um patamar que dê formação e conhecimento suficiente a toda a população para enfrentar as dificuldades oriundas da inserção dos novos saberes em uma globalidade de acontecimentos que atende pelas novas tecnologias inserida no mundo real.

Os indivíduos necessitam de informações para poder sobreviver num mundo gerenciado por tecnologias que a cada novo dia se renova, se aperfeiçoa. Então, como se podem formar homens para enfrentar esse novo padrão de vida? Desde a Revolução Industrial, na Inglaterra, que o ser humano passou a disputar com máquinas um lugar no mercado de trabalho. Esse mesmo homem está inserido na chamada era da revolução tecnológica, onde a máquina se modernizou, foi aperfeiçoada e começa assumir o lugar de milhares de homens no mercado produtivo. Com isso, os conceitos de educação tiveram que mudar.

Dilemas são enfrentados todos os dias no ambiente das salas de aula e, um dos mais complexos é o fato do educador muitas vezes não dominar uma prática discursiva coerente com seus anseios políticos, que lhe dê motivação para enfrentar problemas básicos como: pouca familiaridade com o ambiente escolar; falta de prática pedagógica e contato insuficiente com as diversas modalidades de ensino. O processo educativo só se transforma em prática consciente quando o educador reflete sobre suas concepções e é capaz de justificá-las para a comunidade em que está inserido.

Um dos grandes obstáculos para que se alcance esse objetivo são tornar claro para todos os educadores quais são os pressupostos epistemológicos em que se fundamentam suas crenças a respeito da educação. No entanto, há um perfil que vem sendo anunciado para o educador do futuro que atende pelas premissas do projeto de ressignificação e ampliação do papel do educador na educação básica. Essa discrepância entre o discurso e a prática demonstra que nem todas as ações operacionalizadas no ambiente escolar são frutos de uma posição política fundada em parâmetros críticos.

É preciso superar essa prática comum que impera em muitas instituições de ensino. O fato é que muitas vezes o discurso oficial só cobra o compromisso de quem educa ou está na função de educador, fazendo dos paradigmas emergentes, que envolvem esses educadores, os maiores responsáveis pela não transformação do contexto real da sala de aula, porém é preciso atentar-se ao preceito que diz que quando um esquema cognitivo torna-se inadequado para dar sentido ao mundo, ele é substituído por outro.

Portanto o novo perfil pensado para o educador do milênio atende por alguns enunciados técnicos que perfazem a lógica cultural da Educação pelo educador. São eles: a) boa formação: buscar permanentemente a qualificação; b) uso das novas tecnologias: utilizá-las como recurso a favor dos conteúdos; c) utilizar-se das novas didáticas: buscando um jeito novo de ensinar cada componente curricular; d) trabalhar em equipe e trocar ideias; e) planejar e avaliar sempre observando as reorientações do trabalho pedagógico); f) postura profissional: voltada para o protagonismo social. Esse é o paradigma do professor pesquisador que se atem as habilidades e competências e as colocam a serviço da lógica educativa como um elemento de profissionalização dos saberes no ofício docente. (MARTINS; MOÇO, 2010).

Essa tendência lança as bases econômicas-pedagógicas para uma renovação produtiva que não se atém a repetir as concepções analíticas e tecnicistas dos anos 70 e 80, mas quer traçar outros cenários para a própria formação da Educação Básica. O estudo das competências fez de Philippe Perrenoud, o autor, nessa área, mais lido por parte dos indicadores nacionais. Para ele, a noção de competência se equipara a capacidade de utilizar saberes para agir em diversas situações, onde, desde o nascimento, os sujeitos trazem em si alguns processos de maturação como elementos que serão desenvolvidos em forma de aprendizagens ao longo das fases da vida, e que são preparadas para adaptarem-se às diferentes situações que a própria vida os permitir.

Ainda na década de 1970, uma nova pedagogia tornou-se realidade no Brasil: A Educação Tecnicista. Essa nova tendência pedagógica tinha como objetivo formar os estudantes brasileiros para o trabalho nas indústrias e no comércio. Escolas Técnicas foram criadas, uma nova proposta pedagógica foi inserida e o antigo segundo grau foi dividido em estudos gerais, para formar estudantes que enfrentariam o vestibular e cursos profissionalizantes, a exemplo de técnico em contabilidade e agronomia, para aqueles que enfrentariam o mercado de trabalho. Essa tendência no Brasil, com o fim de regime militar, também foi extinta, pois o retorno da democracia e o avanço cada vez maior das tecnologias requeriam alunos preparados psicologicamente e didaticamente para viver em sociedade e para o mercado de trabalho, permitindo a participação efetiva em três esferas: o setor produtivo, a sociedade civil e os processos políticos.

Nisto, é importante lembrar que o discurso emancipatório da Modernidade se baseia na apropriação conceitual de dois pilares: a) a vigência da sociedade do trabalho; b) a justificativa da existência do ser social como um sujeito consciente de sua individualidade, mas que não se priva do convívio em sociedade. Por isso esse projeto de emancipação humana fracassou, por se concentrar apenas no processo técnico, tendo como resultado final a degradação social. As novas competências, lançadas pelos teóricos para enfrentarem a situação exposta, exige da sociedade do conhecimento, mais informação e constante aprimoramento.

A partir de 1996, com a aprovação da Lei Nº 9.394/96, a conhecida Lei de Diretrizes da Educação Nacional, novas mudanças foram inseridas no contexto educacional brasileiro. E, precisamente, o que nesses tempos se modificou foi a definição da ideia de localidade no mundo, que na contemporaneidade não é mais a noção de que fisicamente se pertence a um país mas à ideia do trabalho em torno do qual se processa a informação acessível a todos que modificou e tomou outros contornos dando uma nova cara às alteridades que compõem o cenário político do trabalho manual pelo intelectual. Essa é a melhor definição do capital cultural processando informação para definir o global pelo capital social.

Para que o cidadão possa assumir o papel de ator nesse novo patamar social, o desenvolvimento das competências se dá pela compreensão de valores sociais e morais oriundos do processo de socialização, num mundo cada dia mais competitivo, perverso e extremamente estressante, envolto numa combinação política e cultural que o leva a diferentes situações. O conhecimento, nesse mundo de múltiplas informações, tornou-se importante para a adaptação da espécie, mas somente o conhecimento técnico não pode mudar suas vidas. É preciso moldar os conhecimentos com novas aprendizagens, preparando a todos para enfrentarem diferentes situações, sendo aluno e professor na escola da vida. Para tanto, é preciso formar professores para a docência que, consequentemente, deem contornos distintos a identidade profissional e as práticas desafiadoras dos professores, ampliando o desenho dos projetos que desejam formar para si e para o mundo, através da educação.

Primeiro, há um projeto a ser modificado que passa pela concepção de homem que se quer permanentemente ser pensado e depois pelo projeto de escola que forma para as aprendizagens significativas, quer seja, pela formação do pensamento intelectual ou das práticas discursivas, que o futuro educador processa já agora, se contrapondo a formação bancária do ensino na zona rural ou urbana. Através do profícuo entendimento da interação entre as fronteiras do discurso educacional, o educador passa a compreender as práticas discursivas que se alinham pelos saberes pedagógicos, pelos saberes políticos, pelos saberes culturais, pelos saberes transversais (interdisciplinares) que trazem relevância social à prática do educador quando este faz de sua representação o elemento intelectual que promove novos agentes culturais para multiplicarem os processos de enfrentamento à cultura dominante.

Para tanto, é preciso pensar a prática docente como uma prática reflexiva que dê ao educador capacidade de perceber o seu ofício de professor com a percepção da profissionalização, dando-o como acesso ao status da profissão, a propriedade laboral, política e social. O próprio Perrenoud (2002) levanta essa questão e a amplia para focar a profissionalização como um dos elementos principais para se alcançar a razão pedagógica.

E, para ampliar o referencial do contexto exposto, faz-se necessário pensar nas questões que Henry Giroux problematizou para o lugar social do educador pelo trabalho intelectual através do esforço de compreensão da formação do formador de opinião: Quais são as variantes morais segundo as quais construiremos a nós mesmos como agentes sociais de mudançaDe que maneira podemos nos reposicionar enquanto educadores contra a cultura dominante a fim de reconstituir nossas próprias identidades e experiências e aquelas de nossos estudantes? Como podem os educadores construir um projeto pedagógico que legitime uma forma crítica de prática intelectual? (2002, p. 124).

Diante do exposto, é notório pensar no contexto educacional da sala de aula como um espaço interdisciplinar onde se aprende assuntos de relevância social capazes de criar novas perspectivas para os efeitos práticos da dominância cultural pela ideologia vigente. Por isso faz-se importante perceber que com a evolução tecnológica e a popularização do computador, bem como da internet, o ser humano passou a ter um novo espaço para buscar o conhecimento. Nesses espaços multiculturais conhecidos como ambientes virtuais de aprendizagem se aprendem desde técnicas militares a operacionalidade de uma bolsa de valores. Aprendem-se as leis da química e da física sem a necessidade de ir a um laboratório. Com efeito, a escola passou a ser coadjuvante no ato de educar, deixou de ser o cenário principal e o professor muitas vezes mal-informado, sem vínculo com outros meios de comunicação, deixou de ser guardião do conhecimento, passando a condição de “parceiro” nesta incansável busca. Se a escola não mais é o cenário único de aprendizagem, então para que existe escola ainda? Porque não se extingue as escolas e passam a formar em seu lugar centros de informática onde o aluno se conecta nas redes sociais, faz a leitura dos assuntos, faz exercícios e vai jogar bola?

A ideia não é ruim, nem nova. Muitos autores já escreveram sobre o assunto, porém não se pode esquecer que o objetivo da educação é formar o homem para a vida em sociedade e para o trabalho. Nisto, a escola torna-se com seu projeto pedagógico, esse lugar socializador onde alunos, professores e comunidade, interagindo, produzem cidadãos preparados para a vida social, seja qual for a sua realidade. Esse papel é tão importante quanto aprender ou ensinar a geografia física do Brasil.

Um dos maiores desafios da educação nesse milênio é ensinar os alunos a apreender conteúdos, formar suas convicções e esboçar soluções, pois este será o dilema maior que enfrentarão fora dos muros da escola e da Universidade. Outro desafio preponderante que se coloca para melhorar o ensino quer seja na zona urbana quer seja na zona rural é pensar nas três principais perspectivas para se alcançar o ensino de qualidade: pensar no inchaço do currículo, pensar na profissionalização que atente ao estatuto da profissão, pensar no domínio técnico.

Mas para se conceber uma escola no campo ou na zona urbana que ensine para a vida, é necessário que se tenha professores reflexivos, que tenham conhecimento do seu papel social, que queiram redescobrir a cultura de cada um no seu lugar de origem. É preciso também ter uma educação de qualidade que torne seus profissionais reconhecidos e valorizados, senão se produzirá pessoas desiludidas, ensinado às pessoas desacreditadas, vivendo um eterno mal-estar cotidiano. Este modelo de educação muda a percepção de profissionalização do professor, dando a ele o acesso ao status da profissão. A pesquisadora Maria Alice Setubal afirma que “a qualidade da educação é proporcional à qualificação dos professores”. (2011, p. 34).

A própria Setubal denuncia a ingerência de muitos economistas no território político da educação e aponta outro problema: “[...] na maioria dos casos, as análises ficam restritas aos números e não foca a sala de aula. Por isso, acho ser preciso colocar os educadores em pé de igualdade com os economistas. Não se trata de uma competição para definir quem sabe mais, nem mesmo de uma abordagem quantitativa versus outra qualitativa. A contribuição dos professores é o olhar que incide no pedagógico. [...] Uma mobilização para resgatar o valor simbólico da profissão. Hoje, as pessoas praticamente pedem desculpas ao dizer que lecionam. Precisamos aproveitar esse momento em que é crescente a percepção da sociedade sobre a relevância da educação. [...] Não podemos esquecer o professor e o estudante. Não faz sentido só olhar para aspectos mais periféricos, como a gestão, e achar que tudo será resolvido.”. (2011, p. 36).

Assim, o contexto das competências está relacionado ao “saber fazer” e a busca por novas metodologias e novas formas de ensinar ao resgatar os valores culturais de cada aluno, de cada comunidade.  Ao ensinamento voltado para a exemplificação e, sem dúvida a ânsia pelo novo, porque o educador precisa estar aberto diariamente para novas aprendizagens. Só assim poderá ser capaz de ensinar e aprender a se colocar dentro da efervescência virtual que tanto tem caracterizado essa nova época. 

Os pilares da educação para o novo milênio se mostram favoráveis ao contínuo aperfeiçoamento dos quatro eixos norteadores e fundamentais para a formação: aprender a fazer, ser, conviver e aprender a apreender para efetivar um ensino que venha sanar a dívida que o sistema educacional tem com nossas próprias incertezas históricas. (UNESCO, 2002. – In: Relatório “Educação, um tesouro a descobrir”).

A escola, os professores e os alunos devem, antes de tudo, estarem sintonizados com a informação. Essa é uma exigência espontânea que se faz necessária nas instituições que tratam da moral social e sobretudo, da educação. Os tempos estão cada vez mais agitados e a escola deve acompanhar de forma salutar essas transformações, revivendo e reestruturando novos e antigos conceitos/axiomas que dão possibilidade à vida em sociedade. O conceito de ética, moral, estado, religião e relações de trabalho estão sendo desafiados e contestados pelos avanços genéticos, pelas inovações tecnológicas disfarçados em grandes blocos informativos que viajam em forma de arquivos através dos ambientes virtuais de aprendizagem. Essas são vertentes que têm modificado a natureza das relações entre as pessoas em todos os seguimentos institucionais e a escola deve orientar a reflexão sobre essas mutações e assim estabelecer uma educação reflexiva com alunos e professores reflexivos, afinal a formação dos sujeitos é o reflexo da sociedade onde ele está inserido.

Diante do exposto, percebe-se que os Desafios da Educação para o Século XXI, enfrentados pela escola no campo ou na zona urbana, em suas linhas mais gerais, a escola deverá enfrentar as incertezas desses territórios sociais para trazer a realidade para dentro da sala de aula, dando outro sentido para o fazer intelectual pelo trabalho racional. 

Paulo Freire (2002) chama a atenção para a necessidade de se pensar o papel da escola em uma sociedade em transformação, e diz que é preciso conhecer a realidade para oferecer o estudo dos conteúdos específicos historicamente constituídos e compartilhados, buscando compreendê-los para possibilitar ao aluno a compreensão do mundo em que vive através do processo de humanização que constitui o ser humano na sua plenitude, transformando sua vida e colocando os conhecimentos a serviço da construção de uma realidade melhor, mais justa, solidária e plena.

Freire também pensa no papel do professor como sujeito histórico de transformação e afirma ser necessário acreditar na possibilidade de mudança sendo de fundamental importância que este sujeito seja portador da esperança para assumir a condição de sujeito histórico de transformação da realidade escolar, articulado à realidade social mais ampla. Ser um sujeito transformador é estar em permanente construção para se tornar aprendiz e mediar a realidade enfrentada pelo aluno versus o conhecimento que se processa no amplo despertar pela busca do próprio conhecimento, favorecendo as aprendizagens do aluno rumo ao percurso de construção do ensinar para aprender, e impreterivelmente, o educador tem que ser um eterno mediador.

 

 Ω

 

 Referências Bibliográficas.

 

ALARCÃO, Izabel. Escola Reflexiva e Nova Racionalidade. – Rio de Janeiro: GRAAL, 1985. 

BRZEZINSKI, Iria. “Políticas Educacionais: Diretrizes Curriculares para Formação de Profissionais da Educação Básica”. In: ANAIS do 22º ENEPe. – Salvador, 2002. Discurso proferido na Mesa Redonda “Formação de Professores”.

DOLORS, Jacques. (et al). Educação - um tesouro a descobrir: relatório para a UNESCO da Comissão Internacional sobre Educação para o século XXI. – São Paulo: Cortez; Brasília/DF: MEC: UNESCO, 2002.

FARIAS, Gênesis Naum de. Núcleo de Estudos Foucaultiano: Interpretações de Pesquisa Educacional em Convivência com o Semiárido. – São Paulo: Scortecci, 2017.

______. “As Incertezas Humanas no Mundo Globalizado”. In: Núcleo de Estudos Foucaultiano: Interpretações de Pesquisa Educacional em Convivência com o Semiárido.  – São Paulo: Scortecci, 2017, p. 31-34.

FARIAS, Enos André de. “Nosso papel para que tenhamos uma escola reflexiva”.  In: Diário da Região.  Juazeiro/BA, 2005, p. 02. 

FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 38ª. ed. – São Paulo: Paz e Terra, 2004. 

______. A Educação como Pratica da Liberdade.  Petrópolis: Vozes, 2002. 

______. Pedagogia da Esperança. – São Paulo: Paz e Terra, 2019. 

______. Pedagogia da Autonomia. – São Paulo: Paz e Terra, 2006. 

______. Educação e Mudança. – Rio de Janeiro; Paz e Terra, 1979. 

______. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. – São Paulo: Paz e Terra, 1996. 

______. Jornal Folha de Produção. – São Paulo: Artigo de Kutzner, 2006, p. 01. (Acesso em 07/06/ 2010.). 

______. Ação cultural para a liberdade e outros escritos. 14ª. ed. – Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2011. 

______. Professores reflexivos em uma Escola Reflexiva. – Porto Alegre: ARTMED, 2002. 

GIROUX, Henry A. Os Professores Como Intelectuais. – Porto Alegre: ARTMED, 2002. 

______Cruzando as Fronteiras do Discurso Educacional: novas políticas em educação. – Porto Alegre: Artes Médicas, 1999. 

LACAN, J. Escritos. – Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1998. 

MARTINS, Ana Rita; MOÇO, Anderson. “O novo perfil do professor”. In: Revista Nova Escola. – São Paulo: Outubro de 2010, p. 47-53. Disponível em www.ne.org.br. 

PERRENOUD, Philippe. A Prática Reflexiva no Ofício de Professor: Profissionalização e Razão Pedagógica. – Porto Alegre: Artmed, 2002. 

SETUBAL, Maria Alice. “A qualidade da Educação é proporcional à qualificação dos professores”. In: Revista Nova Escola – São Paulo: Abril, 2011, p. 34-38. Nota de Entrevista.